A "Liga dos Amigos da Nazare" é uma associação sem fins lucrativos, constituída em 15 de Maio de 1956, é alheia a credos políticos e religiosos e tem como principais objectivos, a defesa e valorização do património cultural e natural, a conservação da natureza, a união de todos os amigos da Nazaré, a promoção e valorização das suas belezas naturais, artísticas e folclóricas, assim como da sua tradição e etnografia".




Sede

R. Dr. Rui Rosa, 6A (loja) 2450-209 Nazaré

contacto: liganazare@gmail.com

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

FELIZ NATAL E PRÓSPERO 2010

Estamos quase no Natal.
Nesta época é normal desejarmos aos amigos e não só, "Um feliz Natal e um próspero Ano Novo". Para além da rotina do gesto, fica sempre, lá bem no fundo, o secreto desejo de que, finalmente tal aconteça. Mas como já não acreditamos (ou, sim, acreditamos?) no Pai Natal, nas renas e no trenó, não me atrevo a pedir para a nossa Liga, a tradicional saúde, paz e amor. Mas se eu acreditasse, então pediria ao Papá Noel, para nos deixar no "sapatinho":
1 - Uma Sede, (pois corremos o risco de não ter uma casa onde deixar o "sapatinho") e isso traria "PAZ" aos nossos espíritos angustiados.
2 - Mais Sócios, muitos, o que contribuiria sobre maneira para a boa "SAÚDE" da Liga.
3 - Defesa dos nossos Patrimónios, com o comprometimento sério das Entidades responsáveis, demonstrando, inequívocamente, total "AMOR" por essa tão nobre causa.

Pelo sim pelo não, Pai Natal , aqui ficam alguns dos desejos da "Liga dos Amigos da Nazaré".
Não queiras contribuir para a minha descrença, e mostra o que vales.

Eugénio Couto

terça-feira, 15 de dezembro de 2009


O gabão
Agora que o tempo vai ficando mais de acordo com o fim do Outono e o frio parece ter chegado, vem-me à memória o gabão do meu avô Alberto.
Revejo-o, bem cedinho, calças de “sorrobeco” ligeiramente arregaçadas, atilhos das ceroulas à vista, camisa de escocês e barrete com a borla caída para a frente, descer a rua que o levava até ao Sobêrco, levado pelos tamancos de madeira, troc, troc, troc, embrulhado no gabão castanho já bastante coçado de tanto uso, da chuva e das invernias, onde ia encontrar alguns companheiros, observar o mar, olhar o horizonte, levantar os olhos ao céu, pigarrear e sentenciar, após o “Bom dia, companheiros!”: Ná! ainda não é desta; aquela parede negra ali ao mar é sudoeste e chuva e esta rabiosasinha e o mar à Pedra, é sinal do que tá pra vir.
Empoleirava-se no muro do Sobêrco, pés para o lado da praia, gabão enrodilhado ao corpo e pernas e daí continuava a perscrutar o horizonte, a observar o comportamento do mar na “Pedra” e a magicar se deveria chamar o filho mestre, ou deixá-lo decidir o que fazer. Vinte e tantas famílias à responsabilidade do filho; ir para o mar e correr o risco ou continuar em terra, porque o tempo não estava de feição. Era um problema e pêras! Ele que resolvesse. Nunca se deixou levar pelos receios do pai e não era agora que isso ia acontecer, portanto, o melhor era esperar que ele chegasse ao Sobêrco, observasse o tempo e decidisse.
Eu morava ali, bem pertinho do Sobêrco onde ia ter com o meu avô, para, sentado entre as suas pernas e abrigado pelo velho gabão, só com as orelhas de fora, ouvir os comentários dos mais velhos, sobre tudo aquilo de que, pouco ou nada, entendia.
Quando necessitava dos olhos do seu “companheiro”, era assim que me chamava, o meu avô Alberto batia ao de leve na janela do meu quarto e chamava-me baixinho. De imediato saltava da cama, vestia-me a correr e lá ia eu, protegido do frio pelo calor do seu corpo e pelo velho e glorioso gabão castanho, fazer-lhe companhia, visitar o faroleiro e tentar vislumbrar algum barco do alto, no horizonte, quando o tempo estava “zarro” e nada se sabia do “Conquistável”. Olha para aquela direcção, companheiro,_ apontava ele. Ainda não? Na vês nada? Mau Maria! Até que, finalmente, aparecia um ponto escuro no horizonte. Ah! vô, tou a ver._ Aponta lá para onde tás a ver. Apontava. _Atão, são eles! E lá corríamos para a praia a preparar os “panais”,”chamar os bois”, carregar uma “espiapara a borda d’água e esperar que o barco encalhasse, “na graça de Deus”.
Sempre tive uma adoração muito especial por este avô (o paterno nunca o conheci, pois morrera no ano da pneumónica) que me mimava mais do que a qualquer outro neto, embora ele, piedosamente, sempre o negasse aos outros filhos mais ciumentos.
Mas, na verdade, os pardais que entravam nas águas furtadas e ele trazia escondidos no barrete, a nota de vinte mil reis nas Festas, alguns dos trocos que restavam das “contas”, e tantos outros pequenos grandes mimos, eram para este neto.
Já era eu um homenzinho, o tal gabão castanho foi dado a um dos sete filhos com mais dificuldades e o avô passou a usar o varino preto, vestimenta dos dias festivos frios, que a pouco e pouco foi ocupando o lugar do velho gabão castanho. Ambos desapareceram, após a sua morte.
Ainda procurei recuperar o tal gabão. Demasiada tarde. Hoje, sinto saudades do calor daquele gabão castanho do meu avô Alberto.
O Sobêrco, esse, continua a ser o meu local preferido para olhar o mar, a “Pedra”, “cheirar” o tempo, encontrar os rapazes da minha juventude e falar dos gabões de outros tempos.

Eugénio Couto

Foto cedida po Fernando Barqueiro

Notas
A Pedra – Assim se referiam os pescadores á Pedra de Guilhim, por ser a mais conspícua.
Rabiosa – Rebentação a merecer especial atenção e alguns cuidados, no “encalhar” e “entrar ao mar”.
Zarro – áspero, mau (relativamente ao estado do tempo).
Panais – Peças de 3 a 4 metros de madeira (pinheiro) sobre as quais, as embarcações mais pesadas, deslizavam.
Espia – Peça de cabo fino lançado da ou para a embarcação que encalhava.
Contas (fazer) – Fazer a repartição dos ganhos (quinhões) pela companha (tripulação).
Barco do Alto – Barco de pesca, longe da costa, com anzol.
Chamar os bois – Avisar os “boieiros” (donos das juntas de bois) da Pederneira, para que baixassem, com os bois, até á praia.

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