A "Liga dos Amigos da Nazare" é uma associação sem fins lucrativos, constituída em 15 de Maio de 1956, é alheia a credos políticos e religiosos e tem como principais objectivos, a defesa e valorização do património cultural e natural, a conservação da natureza, a união de todos os amigos da Nazaré, a promoção e valorização das suas belezas naturais, artísticas e folclóricas, assim como da sua tradição e etnografia".




Sede

R. Dr. Rui Rosa, 6A (loja) 2450-209 Nazaré

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quarta-feira, 21 de abril de 2010

O que eu retive do colóquio "Herança nazarena - ao enconto dos patrimónios"

Esperamos sempre aprender alguma coisa com o trabalho de estudo de algumas mentes privilegiadas com competências inatas e adquiridas que lhes permitem observar, reflectir e tirar conclusões que organizam em conhecimento, a que nós não chegaríamos. Bebo com avidez dessas fontes, cuja água agradeço e procuro recolher para, eventualmente, dessedentar outros. Para mim, é este o objectivo primordial de um colóquio, uma conferência ou qualquer outro tipo de encontro de partilha de saberes, mesmo que deles não se retirem propostas de acção concreta a dar continuidade de imediato.
Desvendar razões, causas e efeitos, acabar com mitos ou falsas ideias em que laboramos, quer porque os factos foram manipulados em função de concepções e ideais políticos, interesses económicos, por vezes de legitimidade duvidosa, quer porque foram sujeitos às leis que regem os fenómenos sociais e até à acção erosiva do Tempo.
È assim sobretudo com o que diz respeito aos aspectos materiais, como o trajo tradicional,ou a Tecnologia ligada às práticas laborais, como se compreende facilmente.
Daí derivam muitos factores que determinam alterações profundas nos modos de viver, que dependem de influências várias, internas e externas, como é inevitável numa sociedade cada vez mais aberta e interdependente. A sociedade é uma realidade dinâmica.
Foi o que retive da comunicação do Professor José Maria Trindade, que relacionou a ascensão da Nazaré a partir dos anos trinta, à procura de um ícone que justificasse uma identidade nacional, reflexo ainda do movimento que surgiu nos finais do século XIX, por toda a Europa. Era necessário enaltecer as qualidades de heroísmo e estoicismo das populações marítimas, os herdeiros dos marinheiros de quinhentos que, inclusivamente, acompanharam na viagem de descoberta de novos mundos.
Contudo, o estoicismo da população piscatória não se reduzia somente à sua bravura e coragem na luta contra o Mar que é, como sabemos, inimigo de respeito, mas também à circunstância de ter que enfrentar relações laborais hierarquizadas, que se reflectiam nas relações sociais, e ao facto de ser alvo de situações de exploração, o que desde sempre se verificou neste sector da população, sendo mesmo um dos mais explorados. Como se processava essa exploração não nos foi dito em pormenor, não houve tempo para tal, mas ficou-nos a denúncia feita pelo professor Francisco Oneto, que fez deste assunto a sua matéria de estudo.
Quem explorava os pescadores? Será talvez necessário desmitificar a heroicidade dos Lobos do Mar, por igual?Quem mais tinha os pescadores na mão? Quem lucrava com a sua pobreza? É preciso aprofundar este assunto; ler mais,descobrir a história deste povo de pescadores explorados de Norte a sul do país. As circunstâncias da sua luta pela sobrevivência, ora na luta com o mar ora virando-se para a terra, embora nem sempre estas duas realidades se harmonizassem. Um colóquio também tem esta utilidade_ despertar a curiosidade científica e cultural.
Há aqui um MAR de temas para explorar. Através da Arte, quer seja o Teatro, a Pintura, o Cinema, o Vídeo, a Música, a Literatura (com o fizeram já os neo-realistas que poderiam ser reeditados ou relembrados através de encontros de leitura…) ou da Rádio, da Investigação em Ciências Sociais, dos projectos escolares, etc.…
E aqui entra a acção das Bibliotecas, das Associações culturais, das Escolas, dos blogues…
Quantas histórias não terão as pessoas para contar! É preciso registá-las enquanto é tempo! Este será o futuro do passado, a criação do novo património cultural de que falavam Carlos Filipe, presidente da Anazart e João Delgado, Presidente da Mútua dos Pescadores. Falar da Vida através da Arte, por via dos objectos da herança comum.
É óbvio que não faz sentido manter estilos e modos de vida do passado, que hoje já só têm valor etnográfico.
Vivemos um período de nítida transição, em que ainda se mantêm alguns sinais de outros tempos, em simultâneo com novos modos, novos modelos, numa miscelânea por vezes perturbadora, que é necessário em determinadas épocas, como o Carnaval ou a Páscoa, separar e recolocar no seu tempo certo, como quem regressa ao passado.
Mas é preciso evoluir!
Sair do saudosismo estéril no que se refere ao património imaterial da Nazaré e alargá-lo a todo o Concelho, estudá-lo e preservá-lo, enriquecendo-o com outras componentes esquecidas, valorizando todos os que contribuíram para a criação e divulgação da sua imagem, ou que, de qualquer forma criaram ou criam cultura.
No último painel, o Património Arquitectónico, o Arquitecto Madrigal falou-nos do ordenamento do território em termos gerais e não particularmente da Nazaré. Mas os princípios são universais: sustentabilidade ambiental, preservação e recuperação dos patrimónios, respeito pela Natureza, harmonia conceptual…
Na Nazaré, a sensação que se tem é de ocupação de todos os nichos de terreno, numa expansão desenfreada. A Arquitectura e consequentemente o Urbanismo, património material e por isso mais visível, mas também mais vulnerável, parece sujeito a critérios de decisão duvidosos.
A Nazaré (Praia) tem uma configuração mais ou menos em anfiteatro, situando-se numa zona baixa, rodeada pelos contrafortes da Pederneira e do Sítio que exigiria um tipo de arrumação mais em socalco. Em vez disso, a construção nos declives tem algo de fenómeno héliotrópico, cada um a tentar ultrapassar o vizinho para apanhar mais sol ou ter melhor vista do mar, mesmo tapando completamente a visibilidade de quem já lá estava primeiro. Parece não haver um plano que, concedendo à população o direito a escolher o modelo de casa a seu gosto, definisse um critério estilístico geral que prevenisse a discrepância urbanística que se verifica em alguns casos.
A paisagem abafa em certas zonas com construção excessiva de volumetria desajustada, com falta de harmonia visual, quer em estilo, quer mesmo em cromatismo.
Quem de baixo olha para o cimo, em qualquer ponto da vila, vê telhados e águas furtadas, janelas e mais janelas que se impõem de forma quase ameaçadora.
Janelas e varandas antigas, em prédios de dois apartamentos por piso, são alterados e substituídos por modelos actuais, sem cuidar de manter a harmonia do conjunto.
Pode apontar-se um caso de destruição de uma casa, recuperada e em bom estado, de uma linha tradicional, a pretexto de não ter grande valor arquitectónico, para se construir um edifício de linhas minimalistas, com fachada cega de cor forte, de grande impacto, em zona onde predominava um edifício religioso do século XII.
Não se trata de pôr em causa o valor arquitectónico do novo edifício, que segundo parece é bastante bem concebido, mas somente de contestar a destruição de um espaço de culto com séculos de utilização cujo ambiente e espiritualidade foram alterados irreversivelmente,quando havia alternativa para o equipamento social em causa.
É preciso que se tenha em conta que, em termos arquitectónicos e urbanísticos, cada época tem o seu “ambiente” próprio e que também isso é património.
Na praça Sousa Oliveira têm vindo a acontecer essa destruição de ambientes personalizados nos cafés da esplanada. É preciso alertar os jovens para o facto de que a diferença também se faz pela preservação do que é tradicional, com a necessária e conveniente adaptação e modernização quanto baste e com bom senso, sem perder a noção da identidade, que se constrói com a Herança do passado. A alteração radical da antiga esplanada, substituída por ”casulos” de vidro que compartimentam o espaço e aprisionam as pessoas, retirou-lhe o ambiente de convívio dos seus tempos áureos, embora seja louvável a tentativa de reposição da calçada portuguesa, mas sem bom resultado ao nível do desenho, por erro de escala dos elementos.
Assim como cada um de nós é único, também a nossa herança comum torna únicos os espaços em que vivemos e desperta o interesse dos outros em visitar-nos.
É fundamental a intervenção de todos na defesa deste património e de todos os patrimónios.
A Internet é um meio privilegiado para o fazer e os jovens dominam as novas tecnologias; é,pois,com eles que contamos para o conseguirmos.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Herança Nazarena

O património está geralmente ausente das preocupações das pessoas.

É, quase sempre, visto como obstáculo a um certo padrão de desenvolvimento que destrói para construir em larga escala, numa perspectiva de lucro.

È também, segundo alguns, assunto para "entreter" cientistas no meio académico ou gente desocupada que se organiza em associações de índole proteccionista e reivindicativa, mas que não concretiza nada de útil para a comunidade.

Atingir esse objectivo é de facto difícil. Há muitas variáveis e muitos interesses em jogo, entre os quais não é de menor importância o desinteresse ou falta de informação das populações assim como a desconfiança relativamente às intenções dos que se dedicam graciosamente a estas causas, muitas vezes com sacrifício pessoal.

Mas o património não é só o palácio, a igreja, o monumento, o objecto visível; pode também não ter objecto, propriamente dito. E aqui inclui-se a expressão de práticas culturais que se vão imaterializando e ficando na memória, substituídas por outras que a evolução da sociedade vai impondo.

Para que o património permaneça como matriz da História dos povo e a memória não se esfume no Tempo, é preciso guardá-lo e dá-lo a conhecer.

É essa a função das instituições ___ Museus, Escolas, Universidades, Bibliotecas…

E é também obrigação dos cidadãos, individualmente ou em conjunto, nas Associações de Defesa do Património e nas instâncias de decisão em que tenham assento, como sejam os organismos autárquicos, por exemplo.



A HERANÇA NAZARENA NO MUSEU DR. JOAQUIM MANSO.



Como guardador de segredos ou baú de tesouros, o Museu conserva a herança que recebemos dos que nos antecederam.

Objectos que foram usados e são expressão de vivências autênticas de um quotidiano distante, que se foi alterando e que agora vive na memória de uns poucos, mas que persiste no registo dos artistas que a ele foram sensíveis ou que com ele se identificaram.

Encontramos em alguns dos artistas que viveram a Nazaré do passado, numa atitude de verdadeira identificação com o povo, o registo neo-realista, mais ou menos integrado em correntes modernistas, de cenas do labor da população piscatória e da dureza das suas condições de vida, que estão em grande medida na génese da herança patrimonial que ficou.Mas também faz parte dessa herança,a dimensão religiosa e quase mística da cultura nazarena tão intimamente ligada a um certo dramatismo inerente às vicissitudes da sua existência, permanentemente em risco, assim como a dimensão etnográfica do seu quotidiano, inscritas na obra de outros, de forma mais ou menos erudita.

Os artistas, cujas obras o Museu Dr.Joaquim Manso tem à sua guarda, viveram na primeira pessoa a realidade que enforma hoje o nosso património cultural e a substância desta nossa herança, à espera de ser descoberta.

Maria Cecília Louraço